Turismo na Serra Gaúcha: perspectivas, desafios e oportunidades.

Gramado, o principl destino turístico do RS

Por Emerson Bittencourt Monteiro

O turismo nunca enfrentou uma crise desta magnitude. Um ano em que as empresas estiveram praticamente paradas e as perspectivas que se apresentam são bastante incertas. O grande desafio neste período tem sido a sobrevivência das empresas que atuam no setor, em meio a um cenário caótico e sem previsibilidade. Desalinhamento das decisões governamentais, em todas as esferas, somado ao duro avanço no número de vítimas, contribuem fortemente para este cenário. Tudo leva a crer que somente com o avanço da vacinação é que o setor poderá retomar suas atividades a pleno. Ou melhor, com o andar da vacinação o setor gradualmente irá retomar, até que atinja a plenitude e, quem sabe, tenha um boom por conta da demanda reprimida de mais de um ano em que as pessoas estão viajando pouco ou quase nada. Nos Estados Unidos já podemos observar esta recuperação em abril de 2021, onde o crescimento da vacinação refletiu no aumento na taxa de ocupação hoteleira, na movimentação dos aeroportos e no número de empregos ligados ao turismo.

Sob este aspecto, algumas projeções são possíveis de se fazer. Quem estiver se sentindo seguro e feliz será o primeiro público a retomar as viagens. Esta segurança virá da sua própria vacina e daquelas pessoas do seu convívio. Virá também da segurança que o destino escolhido para sua viagem oferecerá. Destinos que usem tecnologia no monitoramento dos contágios, empresas que operem mediante reservas, com ambientes arejados ou com atividades ao ar livre, sem filas, que exijam o uso de máscaras e álcool gel, que adotem adequadamente os protocolos de segurança e os selos de turismo seguro do Ministério do Turismo e/ou dos seus municípios, são algumas das ações fundamentais para a garantia de oferta de segurança aos turistas.

Já a felicidade poderá vir de diversos aspectos, tais como: da baixa no número de vítimas na pandemia, de não ter sido duramente afetado pela crise financeira e das experiências que serão oferecidas pelos destinos. Este conceito de “vender felicidade” já é usado pelo turismo há muitos anos. Afinal, quem não está feliz não consome atividades de lazer. O turismo seguro e responsável poderá ser decisivo para trazer esta felicidade e para exercer um poder regenerativo às pessoas após este longo período de isolamento. Ao invés de buscarem válvulas de escape em atividades sem segurança e que levam a aglomerações, na sua maioria clandestinas, o turismo em destinos e empresas que seguem rigorosamente os protocolos de segurança poderão proporcionar essa felicidade aos turistas. Aqui temos uma relação direta entre segurança e a arte de vender felicidade através das experiências turísticas. O contrário também será decisivo: destinos e empresas que não respeitam as regras básicas de segurança serão evitados ao natural. Poderão ser buscados por turistas que igualmente não respeitam regras e fatalmente serão focos de novos casos de contágio, podendo manchar toda a imagem do setor de turismo, que está bravamente lutando por sobrevivência e seguindo os protocolos de segurança.

Considerando o plano nacional de imunização com a vacinação das pessoas com idade mais avançada, podemos supor que a retomada se dará pelo público com mais de 50 anos, no segundo semestre de 2021 e de forma gradual. Levando-se em conta também a crise financeira resultante da crise sanitária, podemos supor que esta retomada se dará nas classes sociais A e B. Uma projeção recente da XP Investimentos, a atividade econômica sofrerá bastante até pelo menos início de maio com a piora da pandemia. Com a vacinação de idosos, as internações e mortes deverão cair bastante na virada do semestre. O turismo é apontado como um dos setores que pode ser um dos mais beneficiados, segundo este estudo. Outro fator decisivo nesta retomada será o turismo regional, com viagens curtas, entre casais e famílias, oriundos de municípios próximos.

Olhando mais especificamente para a Serra Gaúcha, virão turistas prioritariamente de cidades de grande e médio porte num raio de 500 quilômetros, onde Região Metropolitana de Porto Alegre e cidades como Santa Maria, Passo Fundo, Criciúma/SC e Grande Florianópolis/SC despontam como grandes focos de promoção turística. E, por óbvio, São Paulo, que mesmo estando fora deste raio dos 500km, é disparado o maior polo emissor de turistas do país. Esta afirmação vem de uma pesquisa de mobilidade populacional que o Sebrae RS realizou em 2019 em 10 municípios da Serra Gaúcha, com base na telefonia móvel em parceria com a operadora Vivo. A pesquisa apontou que naquele ano (2019), cerca de 10 milhões de turistas únicos visitaram a Serra Gaúcha. Entende-se aqui por turistas únicos que aqueles que visitaram o destino no ano são somados apenas uma vez, independentemente do número de vezes que lá estiveram. 66% destes turistas vieram de um raio de 500 km. Esta realidade muda bastante conforme o município analisado. Por exemplo, em Gramado 54%, em Bento Gonçalves 72% e em Cambará do Sul 80% dos turistas vieram de municípios dentro deste raio dos 500 km. Isto demonstra a força que o turismo regional possui nestes destinos independente da pandemia, o que será acentuado neste período de retomada.

Em Gramado, nosso principal destino turístico do Estado e um dos principais do país, 48% dos turistas em 2019 eram das classes A e B. Dentre visitantes residentes no Rio Grande do Sul que visitaram Gramado, 42% eram das classes A e B. Já na Serra Gaúcha como um todo, 43% dos visitantes eram das classes A e B, sendo que dentre os visitantes gaúchos 36% eram das classes A e B. Portanto, estamos falando aqui de um total de 3,6 milhões de turistas das classes A e B residentes no estado que visitaram a Serra Gaúcha em 2019. Se colocamos uma lupa na origem destes visitantes, em especial nos turistas residentes em Porto Alegre que visitaram a Serra Gaúcha, 19% eram da classe A e 56% eram da classe B.  Neste caso específico de Porto Alegre temos que considerar o grande número de veranistas que moram na capital e possuem residência em Gramado, mas a pesquisa não pôde apurar este percentual. Podemos considerar este público como um grande potencial do turismo regional para visitar a Serra Gaúcha neste processo de retomada. Porém, podemos também supor que este público pode ser ainda maior se levarmos em conta os gaúchos que costumavam viajar para fora do estado e que agora irão priorizar as viagens internas.

Se aprofundarmos a análise da pesquisa e fizermos o recorte por idade, 28% dos turistas tinham mais que 50 anos e este percentual permanece igual independente da origem dos turistas. Na faixa de 51 a 60 anos, 12% eram da classe A e 42% da classe B. Já na faixa com mais de 60 anos, 16% eram da classe A e 45% da classe B. Ou seja, se a tendência de que a retomada do turismo ocorra com a população com mais de 50 anos se confirmar, podemos supor que mais da metade pertencerão às classes A e B. 

Diante destes dados, podemos dizer que a principal oportunidade de retomada do turismo da Serra Gaúcha para o segundo semestre de 2021, desde que a vacinação avance e o número de óbitos diminua, está neste perfil de população com mais de 50 anos, classes A e B, residentes na sua maioria na Região Metropolitana de Porto Alegre e demais cidades de médio porte dentro de um raio de 500 km a partir da Serra Gaúcha. Isto inclui cidades de Santa Catarina, tais como Criciúma, Palhoça, São José e Florianópolis. Através de campanhas de marketing digital é possível atingir este público de maneira fácil, assertiva e imediata. O conceito destas campanhas deverá respeitar o momento que todos estamos vivendo, mas devem manter o relacionamento do destino com seus públicos prioritários. Portugal tem feito isto muito bem ao longo de 2020 e 2021, para citarmos uma referência. Vale a pensa ver o portal visitportugal.com e seguir seus perfis de redes sociais e vídeos no Youtube. Os destinos precisarão ofertar experiências turísticas seguras e que tragam “felicidade”. Por mais abstrato que esta felicidade possa parecer, neste momento que estamos vivendo, a simples possibilidade de sair do isolamento e poder viajar com sua família com segurança, poder degustar um bom vinho, dormir em um meio de hospedagem diferenciado, desfrutar da gastronomia e fazer alguma atividade ao ar livre, apenas para citar alguns exemplos fartamente disponíveis na Serra Gaúcha, esta felicidade já estaria garantida. 


Emerson Bittencourt Monteiro é Analista de Articulação em Turismo do Sebrae RS na Serra Gaúcha, Administrador de Empresas com Especialização em Segmentação e Comercialização Turística e Pós-graduado em Gestão Empresarial de Pequenos Negócios. É responsável pela gestão de projetos de turismo do Sebrae na Serra Gaúcha desde 2009, período em que geriu 17 projetos que resultaram em 15 novas rotas turísticas desenvolvidas, 16 rotas turísticas já existentes aprimoradas, 7 planos municipais de turismo desenvolvidos, 9 missões de benchmarking realizadas para diferentes destinos brasileiros e mais de 300 experiências turísticas desenvolvidas em empresas de turismo da Serra Gaúcha.